domingo, 6 de fevereiro de 2011

Amor assassino


Ela olhou rapidamente de volta para trás quando viu do que se tratava. E lá estava seu amor indo embora. Ela o perdoou. Mentalmente, pois em nenhum momento o pedido de desculpas saiu daquela boca que se encontrava úmida e chamava tanto a atenção da menina, como anteriormente jamais acontecera. Se quer transparecia arrependimento nos olhos daquele que muito já havia feito com outras o mesmo do que estava a fazer com a garota. Ela, no entanto, de tudo seria capaz para tal cena não ter que suportar. Parecia que aquela já era a milésima vez.
Ele estava indo mesmo embora, olhando com firmeza para sua frente, com passos lentos mas decididos, simplesmente não estava com pressa.
Ao virar o rosto a garota deixou cair uma lágrima, não sabia o que lhe aconteceria dali em diante. Deu um passo a frente e pela última vez olhou para trás. Ele já não estava mais ao alcance de seus olhos. Sentiu como se estivesse num mundo errado onde absolutamente nada prestava. Mas foi forte aquela garota. Correu dali em prantos, numa direção que desconhecia. A olhavam com espanto; alguns a viram como uma louca, outros sentiram pena, muita pena.. tudo que não precisava.
Ele, no entanto, sentiria falta dela só que nesse dia nunca imaginaria, seu pensamento se focava apenas em sua liberdade, a tão maravilhosa (e vazia) vida de solteiro. Aquele garoto tinha tudo aos seus pés, deu as costas à menina que tanto o amava com a certeza de que se quisesse voltar teria ela de novo quantas e quantas vezes tivesse vontade. Um legítimo egoísta. Mal sabia ele de tudo que tornaria a vir. A falta de amor seria um sentimento venenoso que experimentaria logo após aquele tempo que ele julgaria ser a melhor fase da sua vida; nada de compromisso, nada de amor, nada além de sexo e bebida.
Enquanto isso, ela teve de suportar todos aqueles longos dias que vieram e só serviam para piorar e intensificar sua dor. Eram tempos difíceis e ela não escondia seu sofrimento, um sorriso doeria mil vezes mais do que ja doia, e sabia que de nada adiantaria fingir que estava tudo bem, isso nunca serviu pra ela, tudo que poderia fazer era esperar. Ter muita, muita paciencia. Apesar de todo o sofrimento e tanta atração que sentia pelo suicídio, nunca o fez.
Quando ele achou que estava verdadeiramente livre, percebeu que a melhor parte de tudo é olhar pro mundo da janela do seu quarto e saber que há uma única pessoa que pode ter sido especialmente feita pra ele, olhar pro lado e poder ver alguém disposta a levá-lo onde for que achar que sua felicidade se encontra. Mas ele se surpreendeu, depois de uma noite muito louca foi que percebeu que aquela era só mais uma noite totalmente igual a todas as outras noites. Ao mesmo tempo que teve toda essa reflexão que o fez perceber a realidade, soube que fez tudo errado, e repentinamente uma garota invadiu seu pensamento com brutalidade. Sentiu falta dela como nunca havia sentido de ninguém antes, seus olhos marejavam pela manhã, sonhara com sua garota, com quem brincou tanto e tanto tempo. E o brinquedo agora era ele. Ela o enganava, e ia embora sorrindo com os olhos secos e um coração de gelo. Tão surreal. Teve uma imensa vontade de fugir da vida. Não procuraria por ela novamente, pois se arrependera... mais um erro, como de costume. Nunca é tarde quando há arrependimento.

Era uma quarta-feira e depois de abrir seus olhos, ao olhar pro relogio, 08:49. Um pouco mais cedo que o normal. Saiu da cama, abriu o guarda-roupa e puxou dali a primeira roupa que encontrou: Um vestido solto com cor de melancia. Usava esse mesmo quando conheceu a pessoa mais linda e que já fora embora de sua vida. Mas ela nem lembrava. Silêncio na casa, todos sairam. Fez a mesma coisa de sempre. Tirou o pão do armário, a manteiga, o queijo e o presunto da geladeira e ao procurar o leite, não encontrou, 09:09. Pegou dinheiro, saiu de casa, deu bom dia a uma senhora, sua vizinha, e seguiu em direção ao mercado no outro lado da rua. Quando chegou na porta percebeu algo que pra ela foi surpreendente, não acordou pensando nele. 'Talvez esteja começando a mudar...' pensou, sem entusiasmo. Saiu do mercado com o leite, 09:19. Contava seu troco, viu o semáforo fechado, deu o 1º, 2º, 3º.. e ao dar o 4º passo para atravessar a rua, tudo ficou rápido. Um carro com velocidade, desrespeitando o semáforo. Ela olhou pro lado e paralizou. Quando a viu, o motorista tentou frear, mas foi tarde. Agora sim era tarde. Aquele motorista distraído nunca mais seria o mesmo. Seu coração levou um choque. Desceu do carro e viu a garota inconsciente a dois metros de distância. Seu sangue se misturava ao leite derramado que comprou. A partir daquele momento, nada mais existia. Arrependimento era tudo que havia na mente daquele cara. A ambulância chegou, 09:35. O motorista que a atropelou foi junto ao hospital, era tudo muito confuso, um caos. Ao chegar, correu até o quarto junto com os médicos que a buscaram na ambulância, em desespero, pânico, se encontrava perdido. Os médicos tentavam a salvar, trocavam palavras que ele não entendia, tudo se embaralhava na sua cabeça e seu coração não se acalmava de jeito nenhum. Ela abriu os olhos, 10:19. Como se tivesse levado um susto. E mais um choque tomou conta daquele garoto. Uma mistura de alívio e medo. Por um acaso a menina olhou pra porta e lá viu ele, com um olhar espantado, angustiado, cheio de desespero. Ele sorriu, e com muito esforço ela retribuiu. "Você" foi a palavra que tentou sair da boca dela. Ele entendeu e aquilo teve um grande significado. "Me perdoe", disse ele sem que ela conseguisse escutar. Mas entendeu. Isso aconteceu em segundos que pareciam muito mais, ela não podia continuar com seus olhos abertos. Seu coração parava. Os médicos não desistiam. As pálpebras da garota foram se fechando, não tinha volta, ela sabia. 10:21. A máquina falava a verdade. Seu coração não batia mais. Acabava ali. O motorista, o seu amor, aquele quem a matou. Um ser-humano arrependido, perdido, morto.
No outro dia, a mãe de Emily, uma garota de 17 anos, foi até a casa de Eduardo, um garoto de 19 anos, carregando uma caixa não muito grande nas mãos, com os olhos vermelhos... Tocou a campainha e após 2 minutos ele abriu a porta. "Acredito que isso deva estar em suas mãos", foi só o que ela disse, ele pegou a caixa e a senhora virou as costas, foi embora.
Abriu a caixa. Na parte de cima, dizia: Jamais esquecido. Se surpreendeu. Haviam ali 5 fotos e exatamente 28 cartas. Leu todas, uma por uma. Desde a primeira:

"Acho que finalmente encontrei alguém que possa me trazer felicidade, é estranho o modo como estou me sentindo completa e feliz, é estranho o modo como eu me apaixonei. É tudo estranho, eu sinto, eu sinto que tudo isso é amor. Amor daqueles que não morrem. Amor que eu nunca senti, e é ele o meu amor, eu realmente espero que tudo dê muito certo. Ele é a pessoa certa, eu sei disso."

Apertou aquela carta no seu peito com tanta força, como se quisesse arrancar Emily dali. Sentiu seu perfume na carta. Lágrimas começaram a cair. Ele não sabia o que fazer, por que viver. Eduardo continou a ler as enormes cartas, lembrando de cada momento que ali era descrito por Emily, com uma saudade que não havia como entender. E a última carta o fez tremer. O fez ver claramente que era ela o amor da sua vida. E agora ele não poderia voltar. Em alguma parte da carta dizia:

"Eu não acredito que ele tenha ido para sempre. Amores verdadeiros não poderiam se acabar assim. Hoje o dia me cansou mais que o normal, li todas essas cartas e imaginei se um dia ainda ficaríamos juntos definitivamente e assim então eu daria todas elas para que ele pudesse ler e me entender. Espero que não demore muito, que algo aconteça e mude minha vida de uma forma que me ajude. Eu preciso que ele volte. Eu preciso do seu abraço, preciso beijar seu rosto e fazê-lo sorrir. Cada dia é parte do meu sofrimento, toda vez antes de dormir eu acho que vou explodir antes de acordar, parece que não vou conseguir mais viver de tanta saudade. Mas aí o dia nasce e lá vou eu outra vez, e surpreendentemente continuo no mesmo lugar. Se ele soubesse o que o amor tem pra oferecer, estaria aqui, comigo. Ele não entende nada de amor. Mas um dia ele vai entender, ele vai. E eu espero realmente que quando esse dia chegar, ele lembre de mim. Eu o amo, e não acredito que isso vá acabar. Aliás, até tenho medo que acabe."


Após terminar de ler, não viu nada que pudesse fazer. Ele, ao contrário dela, não suportaria. E o amor que Emily sentia por Eduardo agora não chegava nem perto do amor e a saudade que ele estava sentindo por ela. O amor mata. A dor mata. Escreveu uma carta para seu pai. Não chorava. Não havia um jeito mais simples de fazer aquilo. Entrou no quarto de seu pai que por sinal era policial, abriu a gaveta onde guardava uma arma. Ali mesmo, colocou o revólver em sua boca e atirou. Caiu no chão sem vida. Tudo que ele queria era encontrar Emily. Ela o amou, ele a deixou, ela sofreu, ele viveu, se arrependeu, e por uma cruel ironia do destino, foi seu amor quem a matou e estragou o vestido do dia em que tudo começou, e ele morreu, morreu por um amor, o amor mata. Sim, o amor o matou. E quem um dia poderá dizer se foram para o mesmo lugar ou se perderam-se no meio do caminho...

Rafaela Schmitt

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