sábado, 29 de outubro de 2011

Uma tarde de sábado

Todo mundo precisa de um espetáculo. Um final surpreendente. Ela estava deitada no chão daquele enorme banheiro. Com uma faca-de-cozinha-e-de-serra na mão esquerda. Pra doer mais ainda. A fraqueza já tinha passado pro físico, parecia, por que não jorrava sangue como imaginara. Mas era tão ruim. Aqueles doze "arranhões" ardiam, comichavam, desagradavam, mas era sangue que ela queria, e foi pouco sangue que ela viu. Não sabia como sair dali. Mas sabia que tinha que sair. Escreveu dois bilhetes. Suas mãos tremiam. Sentia-se num filme, e estava estranhamente familiarizada com todas as novas sensações.
Oque diriam? Oque fariam? Como seria? Pensamentos distantes do dela. Estava a um passo. Na beira do abismo. Mas como? Sem barulho, sem demora. Olhava freneticamente pra todos os lados, todos os objetos, mas não havia absolutamente nada. Absolutamente. Nada. "Me tira daqui", suplicava mentalmente. Pra quem? Não sei. Na beira do abismo. No lugar mais baixo que existe no mundo. Não pertencia àli. E todos tampavam os ouvidos quando ela falava. Como crianças. Tem gente que desiste fácil.
Ela estava ali. À um passo. Na beira do abismo. Um último pedido de ajuda. "Volta. Por favor." Mas ninguém via os olhos dela. Oque a deteria? Um abraço? Aquele abraço! Na espera, já sabia o fim. Todos passaram a não existir mais, desde então. Segurou firme a faca na mão e saiu do banheiro. Foi uma visão do paraíso quando ao abrir a porta,(...) Um espetáculo? Era tudo. Com o sangue endurecido dos cortes no braço e nas pernas, caminhou devagar até o quarto. Na frente do espelho, fez a maquiagem perfeita. Muito rímel, blush, e batom vermelho. O reflexo dela por dentro. Fervendo. Forte. Pesada. Foi até o guarda-roupa e sem pensar arrancou dali um vestido de verão. Decotado, leve, colorido. Vestiu.
Segurou um banquinho nas mãos e o carregou até o pátio do fundo, sob uma árvore enorme de laranjas.


(...) Foi uma visão do paraíso quando ao abrir a porta, deu de cara com uma corda. Não muito grossa, não muito fina. Perfeita. E limpa. Um espetáculo? Era tudo. Com muita facilidade como se praticasse aquilo o tempo inteiro, fez um nó num pedaço da corda formando um círculo. Subiu no banquinho e prendeu a ponta da corda à um galho grosso da laranjeira. Ainda em pé no banco, percebeu que todas as medidas foram fiéis ao ato, como se absurdamente aquilo fosse a ação mais correta a ser executada.
No céu não haviam nuvens. Algumas gotas de chuva caiam naquele momento. Como se tudo conspirasse para que parecesse o mais possível com uma cena final de um filme. Estava a um passo. Na beira do abismo. Seus olhos ardiam, olhava fixo para algum lugar ali. Com toques singelos e lentos, colocou a corda ao redor do pescoço. "Simplesmente perfeito", pensou. E então empurrou o banco com os pés, ao mesmo tempo em que dizia mentalmente, aquilo que ela precisava ouvir pra ficar. Três pequenas palavras, doces e cruéis.
No décimo primeiro segundo, se ouvia o bater das folhas da árvore. Uma laranjeira, entrelaçada à uma corda. E alguém cuja a respiração nunca mais se ouviria. "Mas estava linda", diriam.

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