quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O espalha-sorrisos



Ela falava com suas amigas sobre aquele garoto do sorriso encantador, tão timidamente, ela amava sorrisos, e o dele a fez ver tudo diferente, brilhando. Ele não a via, ela se escondia, pois sabia que na presença dele, sua pele mudava de cor, ele a fazia perder seus sentidos. E nunca, nunca ninguém tinha feito ela sentir daquela forma. Com seus amigos ele vivia rindo, ela não sabia dizer o motivo de suas risadas, mas sabia que elas eram o seu motivo pra sorrir. Durante a noite, quando se encontrava pensando nele, conversava consigo mesma, deixava o estoque de lágrimas se esvaziar para que tivesse seus sonhos livres, quando fechasse seus olhos. Foi numa quinta-feira, ela estava olhando pra baixo, caminhando pelo corredor da escola, pensando no sonho que teve com o seu príncipe encantado, quando pela primeira vez, ela pôde sentir o toque daquela mão quente, no seu braço. Foi rápido, nada sensível, foi normal. Ela estremeceu ao ver aquele que habitava seus sonhos, ali, tão perto, olhando pro seu rosto. Ele não sorria, o que foi uma pena. Apontou pro chaveiro da mochila da garota, que estava no chão, havia caído. Ela não agradeceu pelo aviso e ele foi embora. Se sentiu horrível por não ter dito nada, e isso se prolongou por mais umas duas semanas. O garoto, o espalha-sorrisos, sentiu sua cabeça pesar, seu chão se rachar, quando leu aquela carta que encontrou no meio do seu livro de história. Era ela. Mas ele não sabia. Pela primeira vez na sua vida, se sentiu mal, por fazer alguém sofrer. Justo ele, que sempre tinha a quem escolher, que só correspondia aos beijos, as provocaçãos, e nunca a um abraço, um carinho, uma palavra de afeto, um sentimento. Ela o olhava de longe. Percebeu que ele não teve reação, ficou olhando pra carta por um longo tempo, até vir de volta pro mundo onde seus pés estavam grudados. Guardou a carta no bolso, sorriu, e se foi. Nesse dia, ela desenhou aquele sorriso, escreveu mais duas cartas, versos e poesias, pintou suas unhas da cor dos olhos dele, e decidiu que usaria uma roupa diferente, algo mais parecido com ele, que era tão bonito, e de certa forma, tão incompatível com ela, aparentemente. Nessa noite, ela não chorou. Quase não dormiu, pois não conseguia tirar aquele sorriso da cabeça. Não parava de pensar que ele fora pra ela. Indiretamente, mas fora. Chegou à escola mais cedo no dia seguinte. Sorrindo para todos seus conhecidos, segurando o chaveiro da sua mochila na mão. Já sabia o que fazer. Ela não era a mesma de um dia atrás. Mas ninguém consegue mudar tão radicalmente da noite pro dia, isso todos sabem. Subiu as escadas, e lá estava ele, conversando com uma de suas várias amigas. E sorrindo. Que garoto que gostava de sorrir! Ela seguiu seus passos em sua direção, ainda longe, e viu outro amigo dele se aproximar. Ela não gostava do jeito daquele garoto. Mas, o espalha-sorrisos foi logo dando aquele aperto de mão, sorrindo. Trocou algumas palavras com ele depois que a outra garota foi embora, e levou uma mão até seu bolso esquerdo. Nesse momento foi que seu coração se acelerou ainda mais, estava desesperado, e não sabia o que esperar. Parou de caminhar. Olhou fixamente. Tudo que conseguiu ver foi sua carta, escrita com tanta dor, tanto sentimento, nas mãos do garoto que andava sempre com seu ar superior. Ele riu. E o espalha-sorrisos, também. Como sempre. Sempre rindo, sempre sorrindo. Sempre reprimindo alguém que queria ser. Ele fugia de si, e não sabia. Ela chorou. Correu. Prometeu que não se entregaria à nenhum outro sentimento semelhante a aquele nunca mais. Tudo passou a ser falso pra ela, depois daquele dia. Só que ela não sabe de uma coisa: aquele sorriso torto, aquele olhar vago do espalha-sorrisos depois que leu sua carta, bom, todo aquele momento fora sincero. Pra ele. Que ainda guarda um pedaço de papel em uma gaveta qualquer. Aquele pedaço de papel. E ninguém sabe. E essa foi a história da primeira decepção na vida daquela garota, que a partir daí, viveu por muito tempo temendo, evitando e desprezando grandes sorrisos. O que foi uma pena.

Rafaela Schmitt

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